Carles:
Arbeloa teve o privilégio de não entrar em nenhuma das seleções escaladas por
jornalistas, jogadores, torcedores ou treinadores, mesmo sendo titular da
seleção campeã da última Eurocopa. Ultimamente até os próprios companheiros de
seleção parecem questionar o ‘salamantino’, compadre do Marquês. Isso me fez
pensar na figura clássica do "grosso do time" e recordar jogadores como
o Luciano "Coalhada", meio-campista daquele time corintiano que
quebrou o jejum de títulos na década de 1970 ou Paulo, um ponta tático, parte do
campeoníssimo tricolor paulista daquele mesmo período, repleto de craques. Quem
mais carregou essa cruz ao longo da história?
Edu:
Muitos ‘grossos’ entraram para a história. O time considerado o melhor de todos
os tempos, a Seleção Brasileira de 70, tinha um lateral esquerdo sério, que até
funcionava bem na marcação, mas destoava de uma forma pornográfica do resto do
time quanto à capacidade técnica: Everaldo. Era bastante tosco - no que lembra
muito o Arbeloa - e mesmo assim entrou para a história daquela seleção
impressionante. Aliás, outro ‘grosso’ participou da campanha do tri, embora nem
todo mundo concorde comigo: o goleiro Félix, bastante fraco.
Carles:
Everaldo “Garrastazu Medici”? Uma lembrança cheia de significado para o post de
hoje, 31 de março…
Edu: Pois é, o patriota Everaldo era
orgulhoso conterrâneo daquele presidente de pavorosa memória.
Carles: A
presença do Félix “Papel” estendeu pelo resto do planeta futebol o mito
bastante próximo à realidade de que os grandes times brasileiros sempre
deveriam ter um goleiro abaixo da crítica. Taffarel mesmo, responsável direto
por algum título, não chegou a despertar paixões por aqui. Se bem que a geração
seguinte ao gaúcho conseguiu desmentir por algum tempo essa meia verdade.
Edu: Quanto
ao Luciano Coalhada, a parte incrível da história é que ele chegou ao
Corinthians na pior época, longa fila sem títulos... Era lento, sem vibração,
meio 'pasota' como o Benzema. Destoava em tudo do time que vivia da garra e da
entrega. Nem número certo tinha. Jogava com a 5, com a 7, chegou até a vestir a
10 que foi de Rivelino. Mas persistiu, apesar de todas as gozações. No fim, se
não virou ídolo, caiu na graça da torcida por causa de sua tranquilidade e por
ter feito um campeonato honesto quando o time saiu da fila em 1977.
Carles:
Isso confirma que às vezes uma peça adequada tática ou socialmente acaba sendo
mais favorável que um craque. Voltando à Seleção Brasileira, a maioria dos espanhóis em
particular sofreram quase tanto como os brasileiros com a injusta
desclassificação do time do Telê na Copa de 1982, mas não evitam um certo "cachondeo" quando lembram a
presença de Valdir Peres e Serginho Chulapa naquele time.
Edu:
Eu já acho que o Chulapa foi um pouco injustiçado. É claro que destoava pelo
contraste, porque tinha ao lado Falcão, Zico e Sócrates. Mas poderia ter sido
um bom complemento para aquele time. Já o Valdir, Deus me livre. Nós aqui
também estranhamos que o Capdevilla fosse titular da ‘Roja’ campeã do mundo,
mas parece que ele sempre foi muito querido por vocês...
Carles:
Não permanecerá na minha memória futebolística, garanto. Ele entra no grupo de
jogadores que ajudam no ambiente social, acabou favorecido por uma certa
carência de laterais esquerdos então e por ter marcado alguns gols decisivos
durante as eliminatórias. Como se costuma dizer por aqui tem gente que prefere
‘ser cola de león que cabeza de ratón’. Temos que admitir que o Arbeloa tem que
ter um enorme ego para suportar essa situação.
Edu:
Tem e muito, além do respaldo do chefe. Mais ou menos o que aconteceu quando
tivemos que suportar na Copa de 2010 o Felipe Mello como titular absoluto do
Dunga!! Alguém fez um levantamento na época e o único jogador que o Dunga não
havia mexido em algo como 20 partidas seguidas era o Felipe Mello. Ou seja,
para o treinador da Seleção Brasileira, era Felipe Mello e mais dez. Deu no que
deu.
Carles:
Grande Mello… atual companheiro de Drogba e candidato à Champions League,
enquanto ele não decidir fuzilar o Muslera. Pior assim porque, ainda que o
futebol brasileiro possa não estar vivendo o seu melhor momento, tinha de onde
o Dunga tirar melhores opções. No caso do Alvarito Arbeloa, por mais que
quebremos a cabeça, não sobram possíveis substitutos. A chegada do paradigma
Jordi Alba à história do futebol espanhol habitualmente voluntarioso fez-nos
sonhar com uma reconversão também para a direita, mas o tal Juanfran derrubou nosso
castelo de cartas e voltamos à realidade do burocrata Arbeloa. É a maldição da
direita espanhola.
Edu:
Mesmo assim, me permita uma liberdade abusada: ainda prefiro um time com dois
ou três grossos e alguns craques do que um conjunto de bonzinhos e medianos,
sem ninguém que chame especialmente a atenção, um solista, um grande tenor.
Como a Seleção Brasileira de hoje em dia.
Carles: Sem dúvida. Tudo menos ‘aburrimiento’.